05 de fevereiro de 2025, 03:39:51

“Eu não tinha nome, era chamado de negão“, relembra garçom do TRT mantido em regime de escravidão por 14 anos


“Eu não tinha nome, era chamado de negão“, relembra garçom do TRT mantido em regime de escravidão por 14 anos

Foto: TRT/RS

O Brasil registrou, em 2024, o maior número de denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão da história do país, apontam dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Dados divulgados pelo MDHC contabilizam mais de 3,4 mil registros. Na comparação com 2022, o aumento foi de 61%. Entretanto, esse número foi superado em 2024, com quase 4 mil denúncias realizadas (3.959), um aumento de 13% na comparação com 2023. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro lideram o ranking de denúncias, seguidos por Rio Grande do Sul e Bahia.

Um dos casos emblemáticos é de Maurício de Jesus Luz, 44, contado pela primeira vez em uma reportagem da Folha de S. Paulo, em 2024. Enquanto estava servindo café e água no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o garçom teve sua consciência despertada para um passado que até então considerava normal. Entre uma audiência e outra, escutou, pela caixa de som da copa do tribunal, o relato da empresária Simone André Diniz, que denunciou ter sido vítima de racismo ao ser rejeitada para uma vaga de empregada doméstica. O caso, arquivado por falta de provas, levou à responsabilização do Brasil por violação de direitos humanos.

Para Luz, foi o estopim para compreender sua própria infância e juventude foram. Natural de Tucuruí (PA), após ser abandonado pela mãe foi entregue à avó, que trabalhava sem remuneração em uma fazenda em Imperatriz (MA). Morando em um estábulo, sem acesso a banheiro ou higiene adequada, ele começou a trabalhar aos 4 anos e relata que recebia chibatadas, chutes e xingamentos racistas: “Nunca me chamaram pelo nome. Era ‘neguinho escravo’, ‘filhote de urubu’”, recorda. Com a morte da avó, aos 9 anos, sua carga de trabalho aumentou. Passava o dia inteiro a serviço, muitas vezes sem descanso, vestindo a mesma roupa e comendo o que lhe era dado pela janela.

“Era como se fosse o filho da mucama que ficou. E aí o dono acha que é teu dono também. Eu nunca fui a uma festa, nunca brinquei, era só trabalhar. Você recebe a vida como a vida lhe é oferecida”, relatou ele.

Sem acesso à educação, Luz cresceu acreditando que aquela era a ordem natural da vida. Quando tentou fugir para outra fazenda, esperava encontrar um ambiente menos hostil, mas a exploração persistiu. “Lá, jogava óleo diesel em cupins com a boca, e o patrão ficava com a vara na mão”, conta.

Seu primeiro documento só veio aos 18 anos, concedido por um casal de idosos que o registrou como filho. Com isso, escolheu mudar seu nome de Francisco para Maurício, inspirado em um locutor de rádio.

Casos como o de Luz ainda são comuns no Brasil. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apontam um recorde de 3.959 denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão em 2024, um aumento de 13% em relação ao ano anterior. Os estados com maior incidência são São Paulo (928), Minas Gerais (523) e Rio de Janeiro (371).

Segundo o ministro Augusto César Leite de Carvalho, do TST, a escravidão rural tradicional ainda resiste no país, e há um longo caminho até que o Poder Judiciário assuma uma postura mais rigorosa na punição desses crimes. Ele defende que a exploração do trabalhador seja tratada como crime imprescritível de lesa-humanidade.

Fonte: Mundo Negro


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